sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Incêndios florestais: é em tempo de guerra que se limpam as armas

(Atualizado)

Ontem, 29-8-2013, morreu o quinto bombeiro deste ano negro de 2013 no combate aos fogos florestais, Cátia Pereira Dias, de 21 anos, no grande incêndio da serra do Caramulo. Neste incêndio, já tinham perecido outros dois bombeiros, um dos quais outra mulher, Ana Rita Pereira (24 anos). Os seus nomes juntam-se ao de Bernardo Figueiredo (23 anos) que também morreu como resultado de queimaduras sofridas nesse fogo, e Pedro Miguel Jesus Rodrigues (41 anos), na Covilhã, e António Nuno Ferreira (45 anos) em Miranda do Douro, que também morreram neste agosto de 2013. Desde 1980, são já 104 o número de bombeiros apanhados em incêndios florestais. A estes números acrescem os feridos nesse combate. A melhor maneira de louvar esse sacrifício supremo, e o sacrifício dos bombeiros que combateram e continuam a combater esses incêndios, na sua maioria bombeiros voluntários (pois os bombeiros municipais não vão normalmente para os fogos florestais), é tomar decisões políticas que honrem as suas mortes e protejam a luta dos seus companheiros. Vivam os bombeiros portugueses!

Esta tragédia justifica ação política, para lá da reflexão dos relatórios diferidos, e das promessas de mudança arquivadas quando a temperatura baixa e as faces dos bombeiros mortos desaparecem dos noticiários. Ao quarto bombeiro morto, em 27-8-2013, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho interrompeu as férias para se reunir com os dirigentes da proteção civil - e ao quinto caído neste combate, em 29-8-2013, o Presidente da República enviou uma mensagem aos bombeiros. Nessa escolha das férias sobre uma função que formalmente as não tem, estes dirigentes do Estado parecem entender as mortes dos bombeiros voluntários não como vítimas cívicas que deram a vida pela Nação que estão encarregadas de gerir, mas como distantes funcionários de associações folclóricas. E, sobre estas mortes e estas vidas, o que parece politicamente fundamental para o poder é o acórdão do Tribunal Constitucional, de 29-8-2013, sobre o despedimento na função pública.

A tragédia justifica o apuramento de responsabilidades - que nem sei se é feita, como devia -, mas fundamentalmente a tomada de medidas para prevenir que se repitam com esta dimensão. Mesmo que o fogo, traiçoeiro, possa sempre ceifar vidas - veja-se o caso dos 14 bombeiros mortos num incêndio florestal nos EUA, em 30-6-2013 - com o «efeito chaminé». Um amigo descreveu-me que assistiu uma vez ao tornado do «efeito chaminé» num vale e que ficou aterrado com a voragem das chamas altíssimas, a sucção fortíssima e a projeção a longa distância de matérias inflamadas.

Os factos conhecidos, e outros que não foram publicados, recomendam alterações drásticas no combate aos fogos florestais que o bom senso, indispensável na política, deveria estabelecer nos dois momentos na luta aos fogos florestais: a prevenção e o combate.

Na prevenção, o abandono da agricultura, da pastorícia e dos campos, acumula combustível que, após anos, o combate não consegue conter. Impõe-se a abertura pelo Estado, em conjunto com as autarquias, de aceiros e arrifes nas florestas, nomeadamente nas públicas... E a promoção da pastorícia no interior, através de programas da União Europeia, pois cabras e ovelhas reduzem o combustível vegetal, além de incrementarem a economia. A imposição aos pequenos proprietários, muitos deles emigrados, de um pequeno talhão que lhes calhou por herança, não parece muito viável. As câmaras municipais evitam a notificação aos proprietários para a limpeza das matas. As autarquias não têm aproveitado, como deveriam, a disponibilidade de bombeiros fora da época dos fogos para a limpeza dos matos. O emparcelamento do campo é um desígnio que demora décadas, agora ainda mais dificultado pela dimininuição da procura desses terrenos florestais a preços razoáveis, contrastando com o maior ritmo do emparcelamento nas áreas mais férteis.

No combate, recomendam-se dez medidas úteis:
  1. O não empenhamento de mulheres bombeiras nos fogos florestais. Devido a menor força, menor rapidez, menor agilidade e até menos agudo instinto de sobrevivência - com exeções que a política não pode avaliar -, a taxa de mortalidade de mulheres bombeiras face ao seu efetivo no combate é assustadora e a preocupação eleitoral politicamente correta de não as discriminar nesse esforço custa vidas e feridas. Importa ter a coragem de determinar nesta guerra contra o fogo, como se faz na guerra em geral, que as mulheres não devem ser empenhadas no combate direto ao fogo, nem sequer na condução de viaturas de transporte.
  2. A municipalização de secções permanentes dos corpos de bombeiros voluntários, subsidiada/paga pelo Estado, isto é, corporações mistas. Se os serviços de saúde, de educação, de polícia, são pagos, não é admissível que o Estado despreze os voluntários que lhe prestam esse serviço na proteção civil. Mais, parece que o Estado indiretamente paga o crescimento de funcionários de secretaria da proteção civil municipal e carrega nos voluntários a defesa operacional civil do território. Claro que uma parte dos bombeiros das associações já é empregado nelas, estando adstritos ao serviço de transporte de doentes não urgentes e sendo deslocados para o incêndio quando a sirene apita, mas o conflito entre a sua função e a missão esporádica é complicado (o idoso tem de ir à hemodiálise na mesma e alguém tem de o levar...). O próprio voluntariado já não é como dantes: menos bombeiros voluntários e menos nas áreas urbanas, alguns que só aparecem para a equipa permanente no quartel paga (de 5 homens) a 41 euros/dia (os comandantes, 100 euros), outros que beneficiam de isenções (ex. propinas) mas que comparecem menos. E apesar da mudança no voluntariado, sabendo os bombeiros da injustiça social de desempenharem uma função gratuita que o Estado despreza, os dirigentes políticos continuam a sugar o esforço dos voluntários restantes, sem a devida compensação. 
  3. O fornecimento pelo Estado de equipamento pessoal antifogo aos bombeiros voluntários: vestuário e calçado. À exceção dos homens da GNR  e da Força Especial de Bombeiros, nos bombeiros voluntários portugueses o equipamento individual padrão no combate ao fogo florestal, ainda é constituído por calças e casaco de algodão e botas da tropa... ma coisa é o falecimento por inalação de gases e outra o falecimento, e  o ferimento, por falta de equipamento adequado. Há equipamento pessoal antifogo (ex. com fibra Nomex), mas chega para poucos, e dependendo das corporações. Aliás, o mesmo se passa nos carros e nas mangueiras que a corporação paga na maior parte, pois a Câmara e o Estado baldam-se a percentagens reduzidas, mesmo no caso em que são queimados; e a Autoridade Nacional de Proteção Civil apenas paga o gasóleo e os ditos subsídios aos bombeiros nas equipas ou funções de permanência. Em Portugal, segundo me disseram, chega-se ao escândalo de corporações, sem dinheiro para mais, comprarem equipamento pessoal antifogo usado na Suíça, o qual já não é considerado seguro pelos helvéticos... Muitos bombeiros compram equipamento pessoal antifogo, já que a corporação vive na penúria do transporte decrescente de doentes não urgentes e quotas, a Câmara pouco comparticipa a associação por isso e o Estado menos, apesar da comparticipação num programa do QREN... limitada a 50% do efetivo da corporação. Note-se que o equipamento pessoal antifogo de um bombeiro pode custar cerca de 500 euros. Mas que dizer de um Estado que nem sequer fornece equipamento antifogo aos bombeiros que voluntariamente fazem o serviço que lhe incumbia pagar?... 
  4. Obrigatoriedade de uso de equipamento pessoal antifogo pelos bombeiros no combate ao incêndio, qualquer que seja o seu nível de empenhamento. É evidente que é menos por vontade própria do que por falta. Mas também há resistência na sua utilização por alguns, a qual deve ser vencida pela determinação disciplinar do comando operacional. Ainda que já seja rara a cena triste de bombeiros a combater o fogo t-shirt... Contrastam as imagens do equipamento que se vê nos bombeiros espanhóis e o que se vê nos bombeiros portugueses. Esse equipamento pessoal antifogo é desconfortável, mas poupa vidas. E, se embora pouco se encontra mais esse equipamento na primeira linha de fogo, já nos que seguram mangueiras, carregam material ajudam ou colaboram no transportam é raro - e são estes muitas vezes os surpreendidos. 
  5. Empenhamento muito cuidadoso de bombeiros urbanos nos fogos florestais, preferencialmente só na proteção dos perímetros urbanos, mesmo que tenham tido formação para tal (que há-de ser de muito curta duração). As matas e serras são traiçoeiras, mesmo para quem está habituado a lidar com elas. No incêndio do Caramulo, para além da bombeira de Carregal do Sal, morreram dois bombeiros urbanos da zona de Lisboa: uma bombeira de Alcabideche, Ana Rita Pereira, e outro do Estoril, Bernardo Figueiredo. Uma das preocupações tem de ser não abandonar os caminhos e os trilhos e as ordens devem ser estritas nesse sentido, porque a evacuação, em caso de golpe do vento, no meio da mata e fora dos trilhos («em linha de água»...), em matas muito inclinadas («declive de 60%»), pode ser trágica, mesmo com o auxílio de mangas, como terá acontecido no caso da bombeira Ana Rita Pereira (e depois de Bernardo Figueiredo). Além disso, deve impor-se a a colaboração obrigatória no comando operacional do combate de adjuntos locais para comandantes urbanos, ou que não sejam da zona, para evitar erros de decisão. Relataram-me que no incêndio do Caramulo houve um comandante operacional de fora que impediu no local, contra conselhos, o empenhamento dos bombeiros na proteção do perímetro quando esse combate ainda era possível, e que o ordenou quando tal já não era viável, e que, perante a reação popular, teve de se refugiar no carro para não lhe acertarem as ordens.
  6. Acabar com a rotatividade frequente de comandantes operacionais nos distritos. Atualmente, os comandantes manifestam a sua disponibilidade à Autoridade Nacional de Proteção Civil, que faz uma escala (e abona) os comandantes que vão ficar responsáveis por determinados distritos. Ora, se um comandante de Santarém é deslocado para Viseu, por exemplo, não conhece o terreno e não pode, por isso, fazer o mesmo trabalho do que os locais. Tem havido melhoria da coordenação e dos equipamentos de informação e planeamento, a nomeação de militares tem sido positiva para garantir maior disciplina e organização, mas a coordenação das forças ainda não parece ser suficiente - e menos ainda a articulação dos efetivos nacionais em face dos incêndios.
  7. Melhorar a informação geográfica sobre temperatura e humidade: veja-se o caso de Espanha em comparação com o caso português.
  8. Alterar as penas para os incendiários, impondo para lá do período de prisão durante 20 anos, pulseira eletrónica entre o início de maio e o final de setembro, com os dados registados informaticamente para evitar as tentações de reincidência.
  9. Aumentar as multas para a realização de queimadas agrícolas, para diminuir os incêndios acidentais.
  10. Melhorar a proteção dos bombeiros em caso de morte ou acidente, aumentando os valores seguros, a pagar pelas autarquias e/ou Estado.

A desculpa de que as medidas políticas a tomar são técnicas, que devem ser diferidas, provoca consequências. É em tempo de guerra que se limpam as armas.


Pós-Texto (11:09 de 31-8-2013): Prudência versus politicamente correto
Com dificuldade, coligi estes dados sobre a mortalidade de mulheres bombeiras portuguesas em incêndios florestais nos últimos anos, quando começaram a ser empenhadas nas tarefas de combate direto ao fogo. Note-se que, nos últimos dados a que consegui ter acesso, em 2009 as mulheres bombeiras eram «5601, representando 13% dos 34.742 bombeiros existentes em Portugal». E que pelo que se vê, embora as imagens televisivas não sirvam de amostra, a percentagem de mulheres empenhadas no combate direto de incêndios florestais será ainda mais reduzida. Então, o que consegui apurar, com base no artigo de Patrícia Cerdeira «Para salvar é preciso chegar», na revista Bombeiros de Portugal, de maio de 2012, p. 4, e de notícias várias sobre bombeiros mortos no combate aos incêndios florestais que completam esses números temos o seguinte número de bombeiros mortos, e de mulheres bombeiras, em incêndios florestais, desde 2010:

  • 2010 → 1 (1 mulher, Cristiana Josefa Ferreira Santos, de 21 anos, de Lourosa, carbonizada em Gondomar)
  • 2011 → 2
  • 2012 → 2 (2 mulheres: Paulina Pereira, 40 anos, de Abrantes, em despiste de autotanque, em Abrantes; e Patrícia Abreu, de 25 anos, de Coja, carbonizada, em Arganil)
  • 2013 → 5 (2 mulheres: Ana Rita Abreu Pereira, de 24 anos, de Alcabideche, carbonizada no Caramulo, e Cátia Pereira Dias, de 21 anos, de Carregal do Sal, no Caramulo)

Entre 2007 e 2010, felizmente, não houve bombeiros mortos em incêndios florestais. E em 2006, ano em que morreram dois bombeiros em incêndios florestais, faleceu no teatro de combate ao incêndio florestal, em Porto de Mós, Viviana Lourenço Dionísio, operadora do CMOS (Centro Municipal de Operações de Socorro), ex-bombeira do Bombarral.

Assim, entre 2007 e 2013 (sete anos), faleceram 10 bombeiros portugueses no combate aos incêndios florestais, dos quais 5 (metade) são mulheres. Tendo em conta a sua percentagem no número total de bombeiros e a percentagem, que parece ainda menor, de bombeiras empenhadas no combate ao fogo, os números são muito preocupantes e não devem ser ignorados.

Claro que pode haver gradualismo, que há muitas mulheres mais ágeis e rápidas do que homens, que no confronto entre mulheres jovens e homens mais velhos estes perderão muitas vezes em capacidade física, que podem ser feitas recomendações adicionais sobre cautelas e plano de fuga em face de golpes de vento, que o fardamento adequado evitaria, quiçá, algumas destas mortes de bombeiras carbonizadas, que tem de ser acautelado o recuo de indivíduos (homens e mulheres) mais pesados ou menos ágeis. Creio que, embora exista a disciplina de uma força hierarquizada que mimetiza os militares na obediência, as mulheres empenhadas no combate aos perigosos incêndios florestais o façam por sua exclusiva e livre vontade; mas é também obrigação de quem comando ponderar essa generosidade, maior até do que a dos homens, e diminuir riscos.

Todavia, os números são o que são. São desagradáveis para a doutrina do politicamente correto, que tem procurado impor até o empenhamento de mulheres em combate, seja na primeira linha de fogo ou nas ações de tropas especiais (veja-se a decisão dos EUA em 2013, de o permitir). Mas existe o bom senso que recomenda normas gerais de proteção dos comandados que não parece estar neste caso a ser observado, porque de outra modo não haveria uma sobrerepresentação de bombeiras mortos face à sua proporção nos efetivos em combate. Estes números implicam a necessidade de uma mudança no empenhamento de mulheres no combate aos incêndios florestais.

Entre a prudência e o politicamente correto, o bom senso recomenda que se opte pela prudência, neste caso por uma discriminação positiva. Em face de grandes males, como este que aqui procurei demonstrar, têm de ser tomadas medidas duras, mas necessárias, no momento próprio, mesmo com custo eleitoral. Não adianta fingir que está tudo bem, assobiar para o lado, brigar com os factos e com os números.

Mais do que os homens, cujas qualidades parecem estar em declínio, as mulheres portuguesas têm sido super-mulheres: na família, na casa, no trabalho, na academia. Em meu entender, neste caso, a prudência reclama cuidado e proteção.

Porém, se depois desta voragem dos fogos de 2013, advertidas do perigo que estes incêndios demonstraram, mulheres quiserem participar no combate direto aos fogos florestais, então, deve ser estabelecido um plano especial de formação e treino, seleção em face dos desafios físicos e psicológicos que o combate traiçoeira exige, fardamento adequado (que deve ser atribuído também aos homens) e regras específicas de empenhamento e de cuidado. O que importa evitar é esta taxa de mortalidade desproporcionada.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A inovação é a resposta ao impasse patriótico

Ainda refletindo em linha sobre a eficácia da ação política fora do sistema corrupto. Em postes anteriores, numa espécie de avaliação da ação política do setor patriótico, constituído por tantos homens e mulheres de bem, ainda que desintegrados, considerei que a falta de apoio político popular a esta plataforma se deve a dois motivos: mensagem desagradável e falta de meios para a transmitir.

Relativamente à mensagem desagradável importa reconhecer, desde logo, que a luta tem de ser seguida pelo trabalho. Isto é, o combate - que é muito útil - tem de ser explorado depois por propostas que garantam a adesão das pessoas. Ora, na atual fase de evolução da tríade do norte do mundo euro-americo-asiático a mensagem de trabalho, de sacrifício, de rigor, de autonomia, de equilíbrio orçamental e de repressão dos abusos, é impopular. Muito para lá da aversão humana ao risco o que a grande maioria pretende, por hábito e comodidade, é ainda mais Estado, visto como a fonte mais fácil de dinheiro e de apoio. Até a denúncia da corrupção chega a ser impopular, com os autores a serem vistos como profetas da desgraça, que prejudicam o fluxo normal do dinheiro e dos negócios, que não se conformam com a ordem sistémica das coisas (os boys e o pote), que põem em causa o crédito da concedido pela troika - o meu salário/subsídio/pensão.

Se a mensagem patriótica é desagradável aos cidadãos, a falta de meios é um problema ainda maior. É certo que existem os novos meios - correio eletrónico, internet, blogues e redes sociais -, mas a sua frequência é muito menor do que a da TV. Por exemplo, apesar de todo o furor opinativo sobre o mobile viewing, a verdade é que, segundo um relatório da Thinkbox divulgado em 23-8-2013, no Reino Unido, a audiência em computadores portáteis, smartphones, tabletes, foi de apenas 1,5% da audiência televisiva no primeiro semestre de 2013, o que correspondeu a apenas 3 minutos e 30 segundos por dia, em média. As redes sociais - Facebook à cabeça - funcionam hoje mais como newsgroups e canal de conversação do que crónicas de um parágrafo ou diletantes estados de alma, para lá da reação em cadeia e dos trending topics vertidos para os média tradicionais. E os blogues, que perderam o fulgor das caixas de comentários, mantém-se como sítios de opinião e de produção de informação, mas tendendo para canais quase-confidenciais especializados e já não holísticos, genéricos, de dimensão próxima dos jornais. Mas blogues e redes sociais têm um audiência ínfima em comparação com a televisão e até com os jornais digitais. Do outro lado do espelho, nos média tradicionais, os jornais em papel são hoje quase almanaques de museu, reconvertidos em jornais digitais com magras receitas próprias, as rádios dão música, e noticiários curtos, para automobilistas e ambiente de trabalho, e a televisão mantém-se como o grande meio de comunicação de massas. Na televisão e nos jornais digitais, o acesso dos patriotas é censurado: não passam as informações que produzem nem a opinião que expendem. Ainda que as modernas tecnologias de informação e de comunicação tenham mudado o mundo e que uma faúlha mediática, mesmo a mais panfletária e rude (por exemplo, ptnewshub.com), possa ter um efeito pro memoria devastador, e pior se for em inglês, a ideia dominante no poder, como há oitenta anos, é que se forem controlados os meios, o povo não conhecerá a mensagem.

Sobre este impasse patriótico, recomendo assistir à lição do ator Kevin Spacey na James Taggart Memorial no Edinburgh International Television Festival, em 22-8-2013 (texto completo no Telegraph). Um pequeno excerto:
«the lesson that the music industry didn't learn: Give people what they want - when they want it - in the form they want it in - at a reasonable price - and they’ll more likely pay for it rather than steal it»
Portanto, se não existe dinheiro, até no mercado espanhol, para a sustentação de um canal de televisão independente do poder (isto é, transação de publicidade e subsídios por não-notícias) como confessou, em 9-4-2013, Federico Jiménez Losantos, resta, como tenho insistido a criação de um diário digital patriótico.

Não podemos desculpar-nos com a eficácia dos adversários, mas admitir a nossa ineficiência e mudar de tática. Em suma, inovar e arriscar, em vez de insistir em melhorar um modelo já antigo (ver «Steve Ballmer's big lesson for the rest of us», de Julia Kirby, Bloomberg, 26-8-2013).


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas neste caso, objeto das notícias dos média, que comento, não são acusados de qualquer irregularidade ou ilegalidade neste poste.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A reflexão a fazer sobre a morte dos quatro bombeiros em 2013

A morte de quatro bombeiros nos fogos deste verão de 2013, que lamentamos profundamente, deve fazer refletir as autoridades e a sociedade civil.

As autoridades no empenhamento de bombeiras na primeira linha de fogo, pois creio que têm uma maior taxa de mortalidade relativa face ao número que os combate nessa primeira frente, no fornecimento de meios aos bombeiros, na formação e na estratégia e tática de combate, e no seguro por acidente e morte, bem como na proteção da família após a morte. Nesse sentido, a morte dos bombeiros não pode ser desleixada pelo Governo e outras autoridades como normal e não haver uma demonstração pública de apoio, nomeadamente a participação nos funerais. Em Espanha, os políticos eram assobiados e objeto de impropérios, durante os funerais de vítimas da ETA mas continuavam a cumprir essa obrigação. Em Portugal, a hipótese de serem assobiados não pode desculpar a sua não comparência no funeral de bombeiros que morreram a defender as populações, sejam profissionais ou voluntários - e mais grave ainda quando o problema é a interrupção de férias!

Na sociedade civil, na limpeza dos matos cerca da habitação e edifícios e das próprias matas.

O que não podemos é manter tudo como está.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Carvalho da Silva e os jogos presidenciais

O diário i, de 24-8-2013, por Luís Claro, revela que o ex-secretário-geral da CGTP Manuel Carvalho da Silva abandonou o PC, em segredo, no início de 2012, a seguir a ter deixado a liderança da central sindical (25-1-2012).

Ocorreu o que tinha previsto, em resultado da sua ligação socialista à fação ferrosa (entretanto realinhada com a fação socratina) e, por aí, ao dependente Bloco de Esquerda, e do seu apadrinhamento por Mário Soares, para ser o Lula da esquerda portuguesa, laureado com o doutoramento e cátedra. Essa ligação espúria foi aqui exposta num poste de 4-7-2008, intitulado «Os Silvas». Relembro ainda o que escrevi em 15-3-2012 no poste «Uma rede, uma maioria, um Governo, um Presidente»:
«O ex-líder da CGTP, de 63 anos, estava preparado para ser o Lula de Mário Soares para lançar à eleição presidencial de 2011, mas o plano falhou devido à ruína financeira do Estado - e da esquerda... - provocada pelo socratismo. Mas a estratégia foi reciclada e refinada.»
No Congresso Democrático das Alternativas, realizado em 5-10-2012, essa relação estratégica já era evidente, mas é agora confirmada pela notícia diferida da cisão oficial com o Partido Comunista. Mas os anos de poder absoluto do socratismo (e a fase anterior) não se compreendem bem se não for integrada na análise esta ligação espúria de Carvalho da Silva à hidra ferrosa-socratina.

Veremos como se articula esta estratégia frentista com o propósito de José Sócrates ser candidato a Presidente da República em 2016, se não conseguir ser comissário europeu em outubro de 2014 - ou, supletivamente (coitado!) com o desejo de António Costa (enfraquecido com o realinhamento da fação ferrosa) também concorrer.



segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Destruição dos papéis de trabalho dos swaps: a portaria e a porcaria

O Expresso, de 24-8-2013, citado pelo sítio Esquerda.Net, nesse dia, trouxe novas revelações sobre o caso da destruição de papéis de trabalho de auditoria da Inspeção-Geral de Finanças sobre os swaps de empresas públicas contratatos maioritariamente durante os governos socratinos. A novidade, segundo o jornal citado, é a data da destruição desses documentos: «a eliminação dos papéis se deu após janeiro de 2012», cerca de seis meses depois da tomada de posse do Governo Passos Coelho. Transcrevo o excerto dessa notícia no final do poste.

O Ministério das Finanças deve confirmar se os ditos papéis de trabalho foram mesmo destruídos «após janeiro de 2012» e precisar a data. Subsistem as outras questões que coloquei na sexta-feira, 23-8-2013:
  1. O que continham esses documentos/dossiês?
  2. Quem destruíu estes documentos? 
  3. Quem os mandou destruir?
E acrescento outra, não menos grave: como é que são destruídos esses papéis de trabalho sem que tenham sido, crendo na notícia citada, cumpridas as formalidades da eliminação de documentos estipuladas nos artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 525/2002, nomeadamente um  auto de eliminação com os documentos identificados e assinado pelo responsável do arquivo e o responsável da instituição, conforme modelo constante do Anexo IV da portaria?...

É que, conforme demonstrei no poste anterior, não parece que, de acordo com a Portaria n.º 525/2002 os ditos «papéis de trabalho» pudessem sequer ser destruídos e mantidos apenas os relatórios dessas auditorias a empresas do setor empresarial do Estado. Copio da Portaria 525/2002 (p. 4274 do D.R.) o detalhe da Tabela de Seleção dos documentos (Anexo II) e justifico com a explicação do poste anterior. Clique na imagem para ampliar.



A Portaria n.º 525/2002 não parece admitir a destruição dos documentos, papéis de trabalho ou outros. Como disse no poste anterior, a portaria menciona nas «Observações» da Tabela de Seleção (Anexo II) o destino dos documentos em posse da IGF, apontando nuns casos quais serão conservados e noutros quais devem ser eliminados. A conservação apenas do relatório da auditoria não parece permitida no caso das auditorias do «Controlo no âmbito do setor empresarial do Estado». Como se pode observar com rigor na Tabela de Seleção, no caso da «área orgânico-funcional» do «controlo no âmbito do setor empresarial do Estado», os «Exames de natureza económico-financeira», nas quais as auditorias aos contratos swaps do setor empresarial do Estado parecem enquadrar-se, têm a indicação E («Após o fim do contrato») na coluna do «Destino final» mas não têm qualquer menção nessa linha na célula respetiva da coluna das «Observações». Julgo que, se a interpretação transmitida no comunicado de 23-8-2013 do Ministério das Finanças valesse, a célula das «Observações» da Tabela de Seleção da Portaria n.º 525/2002 relativa à «área orgânico-funcional» do «Controlo no âmbito do sector empresarial do Estado» teria quatro menções «Conservar apenas os relatórios» e não duas como aparece na portaria: uma à frente do «Apoio técnico externo» e outra à frente de «Outros controlos financeiros» - ambas com com a nota no «destino final» C («Conservar enquanto o funcionário permanecer no serviço») -, ficando as outras duas linhas intermédias vazias. A ausência nas Observações de identificação nessas duas linhas («Exames de natureza económico-financeira» e «Exames de natureza tributária») de quais os elementos a conservar, em contraste com a menção nas outras duas daquilo que se conserva (o relatório), e com aquilo que se passa, por exemplo, na «área orgânico-funcional» seguinte («Supervisão das entidades parafinanceiras»), parece justificar que todos os elementos constantes desses processos sejam mantidos durante os 3 anos da fase ativa e mais 17 anos na fase semiativa (arquivo intermédio) até à sua conservação em «arquivo definitivo» (no Arquivo Nacional da Torre do Tombo?). E o mesmo se pode concluir da área orgânico-funcional seguinte na imagem acima - «combate à fraude e evasão tributárias» -, onde não há qualquer Observação nesse item «Informações, pareceres e estudos»: significaria isso que todos esses documentos poderiam então ser destruídos, quando se quisesse?!... De outro modo daquele que explico, como se poderiam justificar funcionalmente «as práticas internas da IGF» (ou as «Normas e Boas Práticas» da IGF) se elas conduzissem à destruição imediata dos dossiês de auditoria (à parte o relatório) ainda antes dos contratos swap chegarem ao seu termo ou após três anos da realização da auditoria?!...

Este caso da destruição dos papéis de trabalho requer investigação pelo Ministério Público - para apuramento de responsabilidades e isenção dos envolvidos. E, mesmo que o Ministério das Finanças a não solicite, como deveria, o caso é público e notório e não vejo como pudesse evitar esse escrutínio. Pôr a própria IGF a auditar o que fez, ou outro qualquer organismo do ministério, é que não parece um procedimento correto.

Na verdade, o caso dos swaps tem sido uma saga em que novos capítulos surgem à medida que se puxam vagarosamente os tapetes para a limpeza dos salões. Conforme tinha entrado com estrondo nas manchetes, saíu das gordas e das magras notícias dos média. Silêncio! - continua  cantar-se o fado... Mas o povo não aceita armistícios promíscuos: queremos sempre a verdade.




«Swaps: Documentos destruídos pela IGF deveriam ser conservados por 20 anos
24 agosto, 2013 - 12:01 
Portaria utilizada para justificar a destruição dos documentos relacionados com os swaps prevê que os mesmos só podem ser eliminados ao fim de 20 anos. Ministério das Finanças alega que as regras não se aplicam a papéis de trabalho. Bloco lamenta opacidade que rodeia este caso.
Quando o inspetor responsável pela auditoria interna sobre o procedimento da IGF, Rogério Pereira Rodrigues, solicitou os papéis de trabalho que serviram de base às investigações sobre os swaps apenas lhe foram entregues os relativos à Carris e CP e o relatório final.
“Quanto aos restantes papéis de trabalho, dado que já passaram três anos sobre o despacho do senhor inspetor geral sobre os referidos relatórios, os mesmos foram eliminados”, justificou a subinspetora geral de Finanças, Maria Isabel Castelão Silva, o que leva a crer, conforme frisa o jornal Expresso, que a eliminação dos papéis se deu após janeiro de 2012, numa época em que este dossier já merecia uma atenção especial por parte do Ministério das Finanças.
A portaria utilizada para justificar a destruição dos documentos prevê, contudo, que os documentos só podem ser eliminados ao fim de 20 anos, devendo ser mantidos três anos em “fase ativa”, onde possam ser consultados com rapidez, passando posteriormente para um arquivo intermédio.
O Ministério das Finanças considera, contudo, que “a portaria regulamenta a documentação produzida pela IGF no âmbito de um processo de auditoria mas a IGF entende que não abrange os papéis de trabalho”.
As “Normas e Boas Práticas” da IGF referem, por sua vez, que estes papéis “são fundamentais para que a qualidade da acção possa ser avaliada, bem como para reconstruir o ‘audit trail’ da mesma por qualquer auditor externo”, sendo que a segurança e conservação dos documentos deve cumprir os requisitos estabelecidos na portaria já referenciada.
Ao ser questionado sobre por que razão os papéis os relativos à Carris e CP e o relatório final tiveram um tratamento diferenciado, não tendo sido destruídos, o director operacional da IGF, Heitor Agrochão, afirmou desconhecer o motivo. As Finanças indicaram ao jornal Expresso que “não houve critérios de seleção, a diferença resultou da falta de disponibilidade de tempo da trabalhadora com essa função”.
No que respeita ao facto de não existir, tal como prevê a portaria, um auto de eliminação e o respectivo duplicado remetido à Torre do Tombo, o ministério esclarece que “não terão sido elaborados autos de eliminação porque os relatórios a que se referia a Portaria nº 525/2002 não foram eliminados”.
Entre os documentos destruídos, que permitiriam analisar o papel do inspetor geral de finanças quando empresas públicas fizeram esses contratos de alto risco, que neste momento representam perdas para o Estado português superiores a três mil milhões de dólares, encontram-se aqueles relacionados com a Refer, onde Maria Luís Albuquerque foi diretora financeira entre 2001 e 2007.»


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas neste caso, objeto das notícias dos média, que comento, não são acusados de qualquer irregularidade ou ilegalidade neste poste.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A destruição de documentos de swaps de empresas públicas pela IGF

(Atualizado às 23:42 de 23-8-2013)


O Público, de ontem, 22-8-2013, pela jornalista Raquel Almeida Correia, trouxe a importante notícia «IGF destruiu documentos essenciais para avaliar controlo dos swaps» (no Público Online está apenas disponível um trecho da notícia), cujo excerto útil transcrevo.
«IGF destruiu documentos essenciais para avaliar controlo dos swaps
Público, 22-8-2013
Raquel Almeida Correia

Auditoria interna à IGF pedida pela ministra das Finanças revela que papéis de trabalho dos inspectores sobre contratos de seis empresas públicas foram eliminados, restando apenas os da CP e da Carris.
A Inspecção-Geral de Finanças destruiu documentação que produziu em 2008 relativa aos contratos swap e que seria essencial para avaliar o controlo feito à subscrição destes produtos pelas empresas públicas. Na auditoria que a ministra das Finanças solicitou e a que o PÚBLICO teve acesso, revela-se que, dos oito dossiers necessários para analisar a actuação do organismo em relação à celebração destes derivados, apenas dois não foram eliminados.
A auditoria, pedida por Maria Luís Albuquerque a 31 de Maio e que foi realizada pela própria Inspecção-Geral de Finanças (IGF), refere-se que, para dar cumprimento à solicitação da ministra, "mostrou-se necessário consultar os papéis de trabalho" associados a processos de fiscalização de derivados subscritos por oito empresas públicas.
No entanto, apenas dois estão disponíveis: o da CP e o da Carris, havendo ainda documentação sobre o relatório final produzido sobre esta matéria. Os restantes foram destruídos, de acordo com as normas internas, como explica a subinspectora-geral num email enviado no final de Junho e que consta nos anexos da auditoria. "Os processos de controlo no âmbito do Sector Empresarial do Estado mantêm-se na fase activa durante três anos, período durante o qual se mantêm os papéis de trabalho", explica, citando a portaria nº 525/2002, que estabelece estas regras.
Escreve ainda que, passado este período, são identificados "nas caixas os papéis de trabalho e a data a partir da qual os mesmos podem ser destruídos". Uma tarefa que cabia ao director operacional - cargo ocupado desde 1997 por Heitor Agrochão. Inquirido pela IGF sobre a destruição destes documentos, o responsável confirmou que "foram dadas instruções para que fossem destruídos", referindo que "desconhece a razão pela qual" os documentos relativos aos processos da CP, da Carris e do relatório final ainda existem. Esta documentação seria essencial para responder ao terceiro ponto que consta no despacho de Maria Luís Albuquerque: determinar "a existência de informação obtida sobre contratos de gestão de risco financeiro", bem como o "tratamento e encaminhamento que a mesma terá tido".
A IGF reconhece que, para dar resposta a esta solicitação, havia necessidade de consultar os documentos. E acaba por concluir que "os papéis de trabalho referentes às outras seis empresas auditadas não puderam ser consultados, pela circunstância de terem sido mandados destruir". Na auditoria, o organismo escreve que, apesar do período de três anos, é "ao director operacional que cabe definir o prazo para conservação dos papéis de trabalho", podendo este prolongar-se por mais tempo, como aconteceu no caso da CP e da Carris.
Estes papéis de trabalho permitiriam perceber qual foi, na prática, a actuação dos inspectores na fiscalização dos swaps. Como se constata por exemplo no caso da CP, são documentos que mostram as questões colocadas pela IGF e os esclarecimentos da empresa sobre os diferentes derivados subscritos.»
Em síntese, a «Inspecção-Geral de Finanças destruiu documentação que produziu em 2008 relativa aos contratos swap e que seria essencial para avaliar o controlo feito à subscrição destes produtos pelas empresas públicas», apoiando-se alegadamente na Portaria n.º 525/2002 que, segundo interpretação da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e do jornal, autorizaria a destruição de documentação após três anos. Esta portaria foi publicada no Diário da República I Série-B de 3 de maio de 2002, mas foi aprovada em 21 de fevereiro de 2002, pelo ministro das Finanças do Governo socialista de António Guterres, Guilherme d’Oliveira Martins, e pelo seu ministro da Cultura, Augusto Ernesto Santos Silva. Na data em que a portaria foi assinada pelos dois ministros - 21-2-2002 - o Governo Guterres já estava em gestão. Com efeito, António Guterres havia comunicado ao País que se demitia no seu famoso discurso do pântano («O que está em causa é evitar um pântano de natureza político e é o restabelecimento pleno da relação de confiança entre governantes e governados»...), na noite das eleições autárquicas de 16-12-2001 - e, de caminho, recordo que sempre entendi que o engenheiro Guterres se havia demitido para fugir ao «pântano político» que era na verdade, como saberia pelas informações do SIS, as imputações do envolvimento de altas figuras do Partido Socialista e do seu Governo no abuso sexual de crianças da Casa Pia, aliás, provavelmente a mesma circunstância de informações comprometedoras que terão levado António Vitorino a declinar suceder-lhe na ldierança do PS. O Governo Durão Barroso só toma posse em 6 de abril de 2002.

Porém, a referida Portaria n.º 525/2002 estabelece uma fase ativa de três anos para a documentação da IGF e uma fase semiativa, que o Público, de 23-8-2013, no caso daquela documentação sobre os swaps identifica ser de 17 anos, no qual ficariam no arquivo intermédio. Diz a portaria, no n.º 1 do seu artigo 5.º que «(f)indos os prazos de conservação em fase activa, a documentação com reduzidas taxas de utilização deverá, de acordo com o estipulado na tabela de selecção, ser remetida do arquivo corrente para o arquivo intermédio». E,  o n.º 5 do art.º 2.º estipula que «(C)abe ao Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, adiante designado por IAN/TT, a determinação do destino final dos documentos, sob proposta da IGF, sendo exigidas diversas formalidades específicas de eliminação dos documentos.

Surpreende que essa portaria, na tabela de seleção (Anexo II) determine, após o prazo fixado, que se conservem «apenas os relatórios» relativamente ao setor empresarial do Estado e outros organismos sensíveis e que, por exemplo, após 3+7 anos, na supervisão das entidades parafinanceiras se determine eliminar «os relatórios e contas, papéis de trabalho, auditorias e contra-ordenações».

A respeito deste caso o Prof. Norberto Pires escreveu ontem, 22-8-2013, na sua página do Facebook o seguinte:
«Esta gente nunca ouviu falar em arquivo eletrónico, isto é, nunca lhes passou pela brilhante cabeça digitalizar e guardar esta informação? São especialistas em inspeção de finanças, pelo que deviam saber que o tempo é essencial para deslindar casos financeiros, nos quais as pessoas, vá lá saber-se porquê, perdem muito a memória e tendem a esquecer as reuniões a que foram, os atos que praticaram, as ordens que deram, os mails que enviaram, etc. Espero que esta portaria seja imediatamente revogada exigindo arquivo eletrónico de tudo. E que sejam identificadas as pessoas que destruiram esta informação, porque é um ato inaceitável que revela uma falta de senso absolutamente aterradora. (...)
Uma empresa tem de guardar informação financeira e fiscal durante 10 anos. Os cidadãos individuais têm de guardar durante 5 anos a informação fiscal. O IGF ao fim de 3 anos destroi a informação sobre inspeções. É uma coisa inaceitável que nem consigo imaginar como passa pela cabeça de certas pessoas tomar este tipo de decisões, escrevendo em portarias que isto é necessário para gerir o espaço de arquivo. Aparentemente nunca ouviram falar em arquivo eletrónico e não sabem, para ser simpático, que o arquivo sistemático de tudo tem a capacidade de fazer as pessoas pensar mais duas vezes antes de cometerem ilegalidades. Neste caso tem de haver responsáveis.»
Na realidade, em 2002, já existiam scanners, pdfs e dispositvos eletrónicos de preservação da informação, que não ocupariam grande espaço em arquivo e para além da microfilmagem que a portaria menciona no seu art.º 10.º.

Não se pode dizer que a Portaria n.º 525/2002 tenha sido feita para cobrir a prévia informação comprometedora guardada pela IGF nesse governo socialista, tal como não se pode dizer que, avant la lettre, ao estilo costapínico demonstre, naquela fase do executivo, uma especial preocupação do Governo com a conservação dos documentos e a definição de regras de eliminação. Mas a Portaria n.º 525/2002, de Guilherme d' [sic] Oliveira Martins e Augusto Santos Silva, suscita várias questões delicadas:
  1. Por que motivo a eliminação de documentos, com fundamentação na «adequada gestão dos espaços de arquivo e à salvaguarda da documentação com interesse histórico» foi assunto do governo socialista de António Guterres na sua fase de gestão?
  2. Que documentos da IGF foram eliminados pelo Governo socialista em gestão de António Guterres entre 16-12-2001 e a tomada de posse do novo Governo de Durão Barroso?
  3. Se foram eliminados documentos pela IGF nesse período, quando foram eliminados e através de que procedimento? É que, com certeza, devem ter sido guardados autos dessa eventual destruição de documentos sensíveis, nesse e noutros períodos.
Essas questões devem ser averiguadas, até para compreensão do consulado ministerial do atual presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins, e do papel do ex-ministro ex-ferroso e atual socratino Augusto Santos Silva nessa história. De 1996 a 2004 o inspetor-geral de Finanças era José Martins de Sá, uma pessoa que julgo ser da confiança do rigoroso ministro António de Sousa Franco.

Já sobre a eliminação da documentação relativa aos swaps de certas empresas públicas, importa dizer, tal como indica a notícia do Público, de 23-8-2013, «Lei prevê que Inspecção de Finanças conserve papéis dos swaps por 20 anos», que a portaria em que a referida destruição se fundamenta não parece acolher essa rápida eliminação, mas sim apenas ao fim de dezassete anos, após a sua «fase ativa» (três anos). Portanto, se a notícia da eliminação dos documentos é verdadeira, o assunto terá de ser remetido pela ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, ao Ministério Público que averigue se a destruição desses documentos foi regular e legal e, eventualmente, a responsabilidade administrativa e penal de quem destruíu esses documentos, de quem os mandou destruir, que documentos específicos foram destruídos e quando foram destruídos (estava o II Governo Sócrates já na fase de gestão, como o de Guterres?).

Parece evidente que na fase seguinte, se procurararão desentalar alguns executantes, e mandantes, da alegada eliminação física destes documentos sensíveis sobre os swaps e entalar outros. Presumo que o socratismo - iniciando já a guerra presidencial de 2016 (já que o lugar de novo comissário europeu português, a formalizar em outubro de 2014, já tenha sido perdido para Vítor Gaspar) - pretenda entalar o atual inspetor-geral de Finanças é o Dr. José Maria Teixeira Leite Martins, desde 2004, que foi chefe de gabinete do primeiro-ministro do XV Governo Constitucional, José Manuel Durão Barroso, e que terá sido seu colega na Faculdade de Direito de Lisboa. A notícia do Público, de hoje, 23-8-2013, refere que os «seis dossiers associados a relatórios financeiros sobre empresas públicas foram destruídos por indicação do director operacional da IGF, Heitor Agrochão» e que «desse grupo faziam parte os documentos da Refer, da Metro de Lisboa, da Metro do Porto e da TAP». O dito diretor operacional da IGF, Heitor Agrochão, no Público, de 22-8-2013, é citado no relatório de auditoria interna mandada fazer pela ministra Maria Luís:
«(I)nquirido pela IGF sobre a destruição destes documentos, o responsável confirmou que "foram dadas instruções para que fossem destruídos", referindo que "desconhece a razão pela qual" os documentos relativos aos processos da CP, da Carris e do relatório final ainda existem».
Na notícia do Público, de 23-8-2013, como na do dia anterior no mesmo jornal, não é avançado o nome do autor dessas «instruções» de destruição dos documentos, nem é justificado se nessa auditoria o(s) mandante(s) são identificados. E a resposta da IGF à ministra terá sido prestada por uma «subinspetora-geral», em junho de 2013, que o jornal não identifica. O Jornal de Negócios, de 23-8-2013, menciona que
«(O) "Público" não conseguiu apurar a data de destruição dos documentos, nem o que justifica que tenha sido a IGF a auditar os seus próprios procedimentos. As questões que enviou para o ministério das Finanças ficaram por responder.»

Cabe ao Ministério das Finanças informar o Ministério Público e o povo sobre a identidade do(s) executante(s) e do(s) mandante(s) da referida destruição dos documentos dos swaps de empresas públicas, para o apuramento final de responsabilidades num caso que terá acarretado um prejuízo para o Estado de cerca de «três mil milhões de euros».


Pós-Texto (23:25 e 23:42 de 23-8-2013): O comunicado do Ministério das Finanças da tarde de 23-8-2013
O Ministério das Finanças fez ao final da tarde de hoje, 23-8-2013, um comunicado aos média no qual esclarece que foram apenas destruídos «papéis de trabalho» que serviram de suporte às auditorias da IGF, que os relatórios se conservam. Noto que a notícia original do Público, de 22-8-2013, revelava que tinham sido eliminados os «papéis de trabalho» e os «dossiers» (sic) que os continham e não dizia que tivessem sido destruídos os relatórios da(s) auditoria(s) sobre o assunto.

O comunicado do Ministério das Finanças indica ainda que, de acordo com a referida Portaria n.º 525/2002, relativamente ao setor empresarial do Estado, apenas os relatórios de auditoria têm de ser conservados. Essa interpretação do Ministério parece eximir de responsabilidade penal os executores, e os mandantes, da destruição desses papéis de trabalho.

A portaria menciona nas «Observações» da Tabela de Seleção o destino dos documentos em posse da IGF, apontando nuns casos quais serão conservados e noutros quais devem ser eliminados. Como se pode observar com rigor na Tabela de Seleção, no caso da «área orgânico-funcional» do «controlo no âmbito do setor empresarial do Estado», os «Exames de natureza económico-financeira», nas quais as auditorias aos contratos swaps do setor empresarial do Estado parecem enquadrar-se, têm a indicação E («Após o fim do contrato») na coluna do «Destino final» mas não têm qualquer menção nessa linha na célula respetiva da coluna das «Observações». Julgo que se a interpretação transmitida no comunicado de 23-8-2013 do Ministério valesse a célula das «Observações» da Tabela de Seleção da Portaria n.º 525/2002 relativa à «área orgânico-funcional» do «Controlo no âmbito do sector empresarial do Estado» teria quatro menções «Conservar apenas os relatórios» e não duas, uma à frente do «Apoio técnico externo» e outra à frente de «Outros controlos financeiros» - ambas com com a nota no «destino final» C («Conservar enquanto o funcionário permanecer no serviço») -, ficando as outras duas linhas intermédias vazias. A ausência de identificação nessas duas linhas («Exames de natureza económico-financeira» e «Exames de natureza tributária») de quais os elementos a conservar, em contraste com a menção nas outras duas daquilo que se conserva (o relatório), e com aquilo que se passa, por exemplo na «área orgânico-funcional» seguinte («Supervisão das entidades parafinanceiras») parece justificar que todos os elementos constantes desses processos sejam mantidos durante 3 anos da fase ativa e 17 anos da fase semiativa (arquivo intermédio) até à sua conservação em «arquivo definitivo» (no  Arquivo Nacional da Torre do Tombo?). De outro modo como se poderiam justificar funcionalmente «as práticas internas da IGF», não suportadas pela lei, se elas fossem - como não creio que sejam - a destruição imediata dos dossiês de auditoria (à parte o relatório) ainda antes dos contratos swap chegarem ao seu termo ou, ainda de modo mais discricionário, após três anos da realização da auditoria?!...

A informação sobre a destruição dos papéis de trabalho de auditoria sobre swaps de empresas filtrada para o Público, de ontem, 22-8-2013, da auditoria mandada realizar pela ministra Maria Luís contrasta com o comunicado de hoje do próprio Ministério. Porquê?

E falta a resposta do Ministério das Finanças a questões que coloquei acima sobre este caso destruição dos papéis de trabalho das auditorias a swaps de empresas públicas maioritariamente contratados durante o socratismo:
  1. O que continham esses documentos/dossiês?
  2. Quem destruíu estes documentos?
  3. Quem os mandou destruir?
  4. Em que data foram destruídos?

A resposta é fácil, é barata (o povo não cuida da retribution dos jogos de poder!) e se já não dá os milhares de milhões de euros perdidos, pelo menos ajuda a compreender melhor o contexto dessa perdição.


Atualização: este poste foi atualizado às 23:25 e 23:42 de 23-8-2013 e emendado às 14:43 de 26-8-2013.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas neste caso, trazido pelo jornal Público de 22-8-2013, de alegada destruição pela Inspeção-Geral de Finanças dos swaps feitos pelas empresas públicas tuteladas pelos Governos Sócrates (e minoriatariamente pelos governos anteriores), objeto das notícias dos média, que comento, não são acusados de qualquer irregularidade ou ilegalidade neste poste.
Paulo José Fernandes Pedroso, que chegou a ser arguido e a estar detido preventivamente no âmbito do processo de pedofilia da Casa Pia não foi pronunciado pela juíza de instrução Ana de Barros Queiroz Teixeira e Silva pelos 23 crimes de abuso sexual de menores sobre quatro crianças de que fora acusado pelo Ministério Público. Em 9-10-2005, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sua não pronúncia.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues foi referido no processo de pedofilia da Casa Pia por «3 jovens» vítimas (CM, de 10-11-2003) - a Lusa, de 20-12-2007, fala em «duas» vítimas que o referiram «como estando envolvido em abusos sexuais ou presente em casas onde estes aconteceram» -, mas negou esses abusos sexuais sobre crianças, não tendo sido acusado pelo Ministério Público, nem sequer sido constituído arguido, nesse caso.
Jaime José Matos da Gama não foi arguido, acusado ou pronunciado, por qualquer facto alegadamente referido por «3 miúdos» (DN, 25-4-2008), ou «quatro pessoas» (Diário IOL, 30-4-2009), relacionado com o caso de abuso sexual de crianças da Casa Pia. Segundo o Diário IOL, de 30-4-2009, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a absolvição dos crimes de injúria e difamação de um dos jovens que lhe imputaram esses factos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A burrice da promiscuidade governamental com o socratismo

Tenho consideração pelo ministro Miguel Poiares Maduro que, apesar de tudo, se mantém, mesmo depois da sua ida para o Governo. Mas é uma medida mais do mesmo bloco-centralismo perverso integrar num «Comité de Sábios» (sic!) com a missão de «definir prioridades para financiamento comunitário» o ex-ministro socialista Augusto Mateus, o mais destacado beneficiário das sete magníficas consultoras oficiais do socratismo dos subsídios, o célebre promotor do Aeromoscas de Beja como plataforma de exportação de... peixe. Aliás, outra prenda na sequência do convite sistémico para o Conselho Geral e de Supervisão da EDP.

Ao contrário desta promiscuidade, a obrigação do Governo era limpar o sistema socratino de consultoria que justificou e atestou a política ruinosa e dela beneficiou, direta e indiretamente, com o fluxo de dinheiro comunitário. Cá estaremos para ver se, quando os socialistas voltarem ao poder, pouparão o passoscoelhismo e os deixarão gozar tranquilos os frutos do seu governo no jet set Portugal-Brasil-New York-London, como estes esperam, ou se lhes aplicarão a máxima romana de não pagar a traidores.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A violência do anarquismo e a resposta necessária da democracia

O violento anarquismo grego - que se pode conhecer melhor no artigo «The changing face of Greek anarchism», no Ekathimerini, de 16-8-2013 - é o percursor do que tende a crescer na Europa, desde logo na nossa vizinha Espanha. Um anarquismo terrorista, que tem como objetivo a destruição da sociedade atual e sem escrutínio da generalidade dos média simpáticos.

São grupos violentos que aproveitam o caldo ideológico da chamada «democracia participativa». Ora, como tenho defendido, a dita «democracia participativa» é profundamente antidemocrática no seu desrespeito do princípio fundamental de «um homem, um voto». Ao invés, pretende a igualitarização decisória de organizações com um milésimo de elementos de outra, para assim assegurar, em assembleias restritas, a supremacia das vanguardas politicamente corretas de grupos microminoritários de agendas radicais.

A violência anarquista é também o subproduto da corrupção da democracia representativa e da barreira mafiosa dos caciques partidários à introdução progressiva da democracia direta, principalmente a negação de eleições primárias livres dentro dos partidos para escolha dos seus candidatos às eleições autárquicas e às nacionais, a facilitação de candidaturas independentes, o respeito de pedidos de referendo e condições de escrutínio político. Porém, aquilo que sofremos em Portugal, há largos anos, nas caves por baixo dos discursos de salão e do glamour dos líderes, consta - como no PSD da capital!... - que chega ao nadir mafioso de excursões de votantes em autocarros de sindicatos de votos em troca da concessão passada de casas e de outros benefícios sociais (ou, na província, de licenças e tachos), à vigilância de sufrágios por capangas apalavrados para atemorizarem vozes dissonantes e à recusa terminante de listas dos opositores à linha melíflua oficial.

A democracia representativa não tem conserto: para evitar a máfia e o caos, temos de caminhar para uma versão moderada de democracia direta.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Um caso que nos faz pena

Passou há bocado, mas neste setor nós não esquecemos. Álvaro Santos Pereira foi uma das maiores desilusões deste Governo. Pelos escritos no seu blogue Desmitos, pelos seus livros nos quais recebeu a colaboração discreta de patriotas, pareceu ao setor patriótico que seria possível arrancar o socialismo corrupto do Ministério da Economia. Todavia, protegeu esse socialismo corrupto e acrescentou-lhe o assentimento acrítico dos projetos relvistas, via António Almeida Henriques Relvas (fica aqui anónima a menção a um amigo meu autor deste apelido). Por isso, foi então denunciado neste blogue, sem piedade, porque não a merecia, ainda que beneficiasse de um culto de personalidade artificial, feito com paciência por uns e com ingenuidade por outros, um culto absurdo, que durou mesmo depois da sua demissão, com relevo maior para o Facebook de parágrafo único e de videos patéticos de opinadores socratinos disfarçados. No princípio, e no fim, estava o serviço fraterno dos socialistas, à maneira maçónica.

Finou-se o culto e recolheram imediatamente as carpideiras quando Mário Soares no DN, de 30-7-2013, na sua crónica semanal, para demonstrar o seu poder patriarcal, o expôs na sua dependência socialisto-promíscua - como já havia feito ao «camarada  Pacheco Pereira». Para pedagogia dos cândidos e lembrança dos patriotas, aqui fica o excerto dessa crónica recente :
«Um caso que me faz pena
Conheço mal Álvaro Santos Pereira, que depois de ter sido nomeado ministro da Economia e do Emprego e, salvo erro de mais duas ou três pastas, me telefonou e quis visitar-me na Fundação de que sou presidente. Tinha-me antes, ainda no Canadá, mandado um livro da sua autoria, que me pareceu interessante e eu, como sempre faço, agradeci com uma carta simpática.
Recebi-o na Fundação, não antes de lhe dizer que, sendo ele ministro, devia ser eu a deslocar-me ao seu ministério, o que faria com todo o gosto. Insistiu em vir e eu rendi-me, apesar de como logo lhe notei, não pertencermos à mesma família política. Recebi-o, pois, com curiosidade e delicadeza.
Queria, segundo me disse, aconselhar-se comigo sobre o cargo que tinha. Perguntei-lhe se não achava que ter quatro ministérios não o intimidava. Respondeu-me que não, porque tinha trazido alguns secretários de Estado em quem tinha muita confiança. Insisti no que, mesmo que assim fosse, não era a mesma coisa. E para lhe dar um exemplo, perguntei-lhe se sabia o que era ser ministro das Obras Públicas, quantos eram os funcionários (e não sabia) e que era um dos ministérios por onde passava a maior corrupção. Ficou espantado. Até hoje nunca mais o vi, embora me tivesse enviado uma mensagem muito simpática quando estive doente.»


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades e entidades, referidas nas notícias dos media, que cito e comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Os esgotos das praias do Algarve: incompetência e irresponsabilidade

O turismo do Algarve está a ser punido pela incompetência e irresponsabilidade das autoridades locais e nacionais no caso dos esgotos. Note-se que 96% dos clientes (os turistas) nos serviços que sofrem uma má experiência nem sequer se queixam, apenas não voltam, mas o passa-palavra de quem sofreu uma má experiência é muito mais forte do que quem viveu uma boa experiência; e que 12 boas experiências nos serviços têm o mesmo valor de uma má.

A situação mais gravosa vive-se em Armação de Pera. Para conseguir a bandeira azul, as autoridades decidiram manter fechada a barra da ribeira de Alcantarilha, para onde são drenadas as águas da estação de tratamento de esgotos e que desagua na praia. A população veraneante nesta zona do Algarve é muito elevada e a estação de tratamento de esgotos intermunicipal tem de descargar as águas que, sem acesso ao mar, vão poluir os campos circundantes da ribeira. Tal, como em 2010, pretende-se manter fechada a barra da ribeira de Alcantarilha até ao final de setembro, para que os turistas não vejam «os efluentes poluídos a escorrer para o mar» e que o galardão da bandeira azul seja mantido... Para as autoridades, o galardão da bandeira azul parece ser mais importante do que a saúde e o bem estar dos turistas. Entretanto, neste azarado verão de 2013, os turistas sofrem uma insuportável praga de mosquitos e melgas, que terá começado em junho!... Os veraneantes estão cansados de usar os repelentes com citronela ou a receita caseira dos pescadores ou as raquetes elétricas chinesas. E, a quem sente as mordeduras, a comichão e alergia, não adianta dizer que as ditas melgas de Armação de Pera são diferentes e não mordem, como me disseram que afirmou um técnico do Ministério do Ambiente. Câmara Municipal de Silves decidiu combater, ontem, 14-8-2013, esta praga de mosquitos e melgas com... um helicóptero Kamov!... Refere o comunicado da Câmara local:
«Trata-se de um método que, através da combinação dos fortes ventos provocados pela força das pás do aparelho e do consequente turbilhão de águas, irá contribuir para a destruição da população de mosquitos adultos e de ovos existentes nesta área»!?...
Como era de esperar o espalhafatoso método de matar melgas com pás de helicóptero... não resultou: as melgas continuam ao ataque. Por outro lado, a utilização de inseticida não será melhor para a saúde dos turistas e da população local. Assim sendo, e na mesma linha criativa, a próxima WMD (weapon of mosquito destruction) das autoridades locais e nacionais será a vedação laser (photonic fence)?...

Ao contrário, na Quarteira (Loulé), em 10-8-2013, resolveu-se o problema da acumulação de esgotos e águas poluídas através de uma descarga... acidental para o mar... A praia foi interditada durante dois dias, mas o problema foi resolvido. Temporariamente.

Enquanto as câmaras municipais envolvidas se desdobram em desculpas e ações mirabolantes, o novo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, permanece silencioso e apático. Mas talvez este esgoto não feda amanhã, 16-8-2013, na Festa do Pontal, do PSD, na Quarteira.

O problema dos esgotos no Algarve, especialmente nas zonas com maior concentração populacional no Verão, precisa de ser enfrentado e resolvido, sob pena de o turismo da região ser afetado seriamente. Antes dos destinos concorrentes e da imprensa de alcance mundial se interessar pelos esgotos e pela praga de melgas. É que as notícias sobre os «sewerage problems»  do Algarve e «mosquito plague» são dramáticas para as futuras escolhas googleanas dos turistas, como se pode percebe a partir destas impressões:
«Visited the Sand city in pera on the evening as it was starting to get dark. Within 10 minutes had over 30 bites on head, arms and legs, and had to leave. Would strongly recommend people think twice about going at this time. Completely spoilt our holiday and both myself and my wife had to go on a course of antibiotics to counter the very adverse reaction from the bites. If you are affected and the area around the bites starts to swell adversely please go and seek medical advise to prevent cellulitis. 
by David from UK on 10-08-2013 09:15:00
In Pera from 2nd August to 19th August as have a property here so come regularly. Never seen anything like this, been bitten severely despite spending on all sorts of stuff from the chemist. Really needs to be sorted as it is affecting holiday badly and I am sure will put 1st time visitors off.
by Dennis Oliver from UK on 06-08-2013 11:01:00 
We are in this resort currently and the river mouth runs st the side of our hotel, and believe me it's disgusting. There are people in our hotel who have had severe reactions. We have never been to Portugal before and will never return, it as ruined our holiday, it is do bad you cannot even sit out at night or go for a walk. I never comment on forums but feel do strongly about this I felt I had to.
by Debbie from UK on 06-08-2013 08:20:00»

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O Diabo veste rosa

José Sócrates Guilherme d'Oliveira Martins ao Ação Socialista Diário Económico, em 13-8-2013: «Não diabolizemos as PPP, não diabolizemos os "swaps"»...

Primeiro, a «incúria» era dos outros, a tutela não tinha nada a ver com os swaps contratados pelos gestores públicos, depois foram os outros que os pressionaram a fazer swaps, agora os swaps não são assim, tão maus... Apesar dos três mil milhões de euros de prejuízo para o Estado.

A orquestração socratina chega a ser patética, com maior estrondo no Diário EconómicoOut of the rose, cada dia salta um novo solista pseudo-independente com um trecho harmónico supostamente improvisado mas já prescrito na sinfonia.. Os naipes soam alternados, mandados levantar pelo maestro, cada vez menos na sombra, sob o olhar embevecido do financiador do concerto, que arrisca pôr o seu grupo financeiro a brincar ongoing à politiquice, enquanto a sua família abastada se entretém a «brincar aos pobrezinhos»...

sábado, 10 de agosto de 2013

Paulo Portas prepara-se para o pós-governo PSD-CDS

Entrevista de Helena Sacadura Cabral ao Económico, em 5-8-2013:
«- Se vir o Durão Barroso candidatar-se porque é que não se há-de candidatar o engenheiro Sócrates? Ele ao menos não nos abandonou. (...)
- Votava nele?
- Se a outra hipótese fosse Durão Barroso, votava!»
A velha e perene aliança Portas-socialistas, com o fito de Portas ser o líder da direita nos escombros do PSD.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Fé, trabalho e luta

Os swaps socratinos constituirão um caso de estudo político-mediático de inversão de culpa a analisar nas academias. Feitos na quase totalidade pelos Governos Sócrates (embora o instrumento já fosse usado desde 2003), para empolar receita no curto prazo e esconder dívidas das grandes empresas públicas e ainda com a probabilidade de ganhos de especulação na taxa de juro, uma variante dos swaps cambiais gregos feitos anos antes com o mesmo propósito «Eurostat friendly», a culpa da perda dos três mil milhões de euros acaba por recair toda sobre o Governo PSD-CDS que não fez nenhum!... E mesmo que a demora na resolução do caso, pelos motivos que já aqui dissequei, tivesse custado a diferença para os 1.646 milhões de euros que o socratismo tinha deixado, ainda assim, nem essa fatia lhes é assacada.

Quais as razões desta inversão de culpa nos swaps socratinos? Duas.

A primeira é a política de desoneração das responsabilidades socialistas que a direita promíscua e corrupta pratica. Na expetativa consecutivamente frustrada de cobertura futura da corrupção nos grandes negócios de Estado, quando a alternância repuser os socialistas no poder, abafa-se a corrupção e a ruína socialista que se herdou.

A segunda é o controlo socratino - nem é ideologicamente socialista, é da fação socratina! - dos média, inclusivé dos públicos (como a RTP)!... PSD-CDS continuam a garantir a subsistência de grupos de média privados, mais ou mneos falidos, que favorecem deliberadamente a narrativa socratina: Controlinveste, Impresa, Ongoing. E era tão fácil ao Governo passar palavra aos bancos financiadores que a mama tinha acabado e que a continuação do financiamento desses grupos de média, que o erário público acaba por indiretamente custear, não era mais desejável. Que banco arriscaria o seu apoio do Estado só por causa do financiamento de jornais sem leitores e de rádios e tvs deficitárias?!...

Portanto - como sempre! -, não se busque nos outros a razão da nossa desgraça política. É dentro da direita que se consente esta corrupção de Estado. E é por causa da nossa debilidade moral - votação corrupta - que os socialistas mandam (é sempre «culpa nossa»). Não há redenção da direita sem limpeza da sua corrupção.

A votação corrupta faz ouvidos moucos à mensagem justa porque não lhe dá jeito (votaríamos em quem? - dizem). Mas, cada vez que cedemos a apoiar gente que sentimos corrupta, estamos, desde logo, a favorecer o adversário.

E a mensagem justa também não passa porque os meios de massas estão controlados pelos socialistas socratinos e a direita não ousa criar meios próprios de difusão das suas ideias cristãs e ideologicamente moderadas.

Assim, com uma mensagem desagradável e sem meios de a passar, mesmo assim perante recetores tendencialmente moucos, não é possível a recuperação moral e política (social, económica e financeira) do País.

Como fazer, então? Fé, trabalho e luta.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Apesar do Estado...



A descida da taxa de desemprego em Portugal no segundo trimestre de 2013 para 16,4% (face 17,7% no primeiro trimestre do ano) é uma boa notícia, associada à previsão de crescimento económico, mesmo que muito baixo, neste trimestre. Porque constitui a primeira queda do desemprego em dois anos e pode representar uma mudança na regressão do emprego. É uma variação sazonal - e a mesma tendência se passa em Espanha. Mas, todavia, é uma queda. E deve ser valorizada.

Todavia, não se pode crer que a política atual, mais ou menos socialista, em que as empresas privadas não conseguem competir com o rendimento proporcionado pelo Estado sem outra contrapartida senão o ócio, permita a recuperação rápida do emprego. O FMI disse em 2-8-2013 que o desemprego não baixará dos 25% em Espanha antes de... 2019 - a não ser que os salários baixem... 10%...

Porém, importa destacar que a resiliência de médio prazo das empresas privadas e dos particulares tem sido mais forte do que a do Estado, pregada à aliança socialistizante corrupção-subsídios (dou-te subsídio de sobrevivência desde que também me deixes roubar nos negócios de Estado). Seria notável, se houvesse uma mudança cultural da preguiça para a revalorização do trabalho, e que surgisse, apesar da política cambial germânica, da política aduaneira desigual germânica, da carga fiscal e da ideologia socialista do ócio, um milagre económico português semelhante ao italiano (entre as décadas de 50 e 70 do século passado): crescimento económico apesar da turbulência política. Mais: sobrevivência económica com crescimento das exportações apesar do contexto político, monetário e aduaneiro, desfavorável, da corrupção de Estado, da carga fiscal que geram e do endividamento que provocam.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Peregrinação


A.B.C., Torres da catedral de Santiago, 3-8-2013


As torres da catedral de Santiago são mais altas do que as montanhas da Galiza, nossa irmã. E é por causa disso que o peregrino lá chega. Chega porque crê, porque pede - a Santiago, a Nossa Senhora e a Deus, direto... - porque se entrega ao sacrifício físico na esperança humilde de redenção espiritual.  O peregrino, que reboca o seu corpo e mais o peso da trouxa, sonha a visão dessas torres, para além das inclementes subidas - e das temidas descidas... porque anunciam novas subidas. Eu e outros dois fraternos companheiros peregrinos, neste Ano de Fé. A peregrinação não é divertida, porque impõe sacrifício e disciplina, mas é retemperadora da alma e do corpo. Vale a nossa pena.

De Leça a Valença é um estirada sofrível. Sofrível porque se sofre, porque o rabo, os joelhos, os tendões e os músculos, não estão habituados, e porque se aguenta. Calçadas trepidantes, passadiços de madeira, capelas marítimas, uma Gelfa pelo meio, Viana, Âncora, Afife e Moledo, os trilhos de cimento e pedras nas praias que nos tentam, a velha Caminha, o suave Minho, o piso fino de Cerveira, onde um galego recomenda cuidado com a polícia «aqui em Espanha», a longa e custosa avenida de Valença. Desencontros do caminho e reencontros felizes - como nós. Uns líquidos melhores do que outros e as bebidas energéticas ainda mais amargas. No albergue de São Teotónio, muito limpa e cómoda, nomeadamente os colchões, dorme-se por cinco euros, mediante a apresentação do passaporte (Credencial del peregrino), carimbado nas paragens erráticas do nosso cansaço, e o acolhimento quente supera a falta de cobertor na noite fresca.

Do lado de lá, de Tuy ao Porriño vai-se fácil, mas de aí até Pontevedra, e depois, as montanhas não perdoam as pernas, a chuvinha (breve) ensopa, as dores abundam, o fòlego é consumido entre apelos íntimos à ajuda divina e imprecações de pecador, depois da curva o fado da mesma subida, o cimo demora, a bigas mal anda, a trouxa atrapalha. E, todavia, miraculosamente, sobe-se. No meio da floresta montanhosa, à noitinha, o escondido albergue do Barro, melhor do que o grande albergue-Woodstock de Pontevedra, é uma surpresa agradibilíssima. Um jantar quente à nossa espera, preparado por voluntários - um deles de cadeira de rodas que até já realizou o Caminho francês -, com heróis dos trilhos BTT que já tínhamos encontrado no Porriño e que vieram da costa alentejana e da Andaluzia, tortilla de batata e cebola, fanecas, carapaus, salada fresca, sem pratos para todos, comendo à vez a sopa cremosa de legumes. Banho aliviador que alivia momentaneamente a rusticidade peregrina (suor, sujidade e dor, no olvido do próprio corpo e dos seus limites), descanso entrecortado pela orquestração dos ressonos e alvorada pelas cinco de Espanha, que há que chegar de manhã a Santiago.

A temperatura baixou, os montes voltam, a descida esfria o peito e o vento gela a névoa nos braços peludos do antigamente. Em Padrón, sabemos que a segunda e jovem mulher de dom Camilo, o Cabezón de Iria Flavia,  se casou com um médico e recordo «Yo, señor, no soy malo...». A estrada vai inclinando por plataformas, mas já se enfrenta o cume com olhos seguros e cadência mais certa. Finalmente, aparecem as torres da catedral, ao longe próximo do alcance do pedal. Uma última subidinha e lá desembocamos na praça do Obradoiro, alaranjada pelo sol e pejada de peregrinos espojados na calçada. Chegámos! Entrada na catedral - onde se acumulam velas e flores pela tragédia ferroviária de 24-7-2013. A devoção, um terço pejado de intenções e louvor, como talvez nunca. Fotos de orgulho tardo-juvenil a merecer indulgência, a descompressão de passos menos trôpegos e o resgate da Compostela, por «devotionis affectu vel voti causa». Um almoço esfolado, comboio de regresso a Vigo e recolha familiar (que, a partir de Vigo, o trem não transporta bicicletas!...).

Toda a peregrinação é interior: aos nossos pecados, aos nossos defeitos, aos nossos projetos. Mas nessa intimidade humilde encontramos o sentido da fraternidade humana, enformada pela Graça de Deus. O resultado desta penitência - e do treino da vontade -, é o sentimento justo de redenção espiritual. Santiago é grande!