sábado, 31 de julho de 2010

Veritas liberabit vos

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Recomendo a leitura da indignação da imprensa sobre a conclusão do inquérito Freeport:

Entendo que os procuradores Vítor Magalhães e Paes de Faria fizeram, neste inquérito, o que nesta circunstância política e profissional lhes foi possível. Mas, independentemente das instituições e dos homens, o desfecho deste caso é uma questão de tempo.

Para memória e segurança, e pela relevância política das notícias, transcrevo o seu conteúdo, passado o hiato da praxe:


«O Freeport nunca existiu?
Felícia Cabrita
Sol, pp. 1-4, sexta-feira, 30 de Julho de 2010

Processo foi interrompido a meio. Ordem para parar foi dada pelo vice-PGR, que está em situação ilegal.

Ficou quase tudo por apurar: não foi possível seguir o rasto do dinheiro nem sequer saber a quem pertenciam nomes de código como Pinocchio ou Gordo.

Vice-PGR impede inquirição de Sócrates

Os magistrados do DCIAP queriam ouvir Sócrates no inquérito ao caso Freeport, mas não tiveram tempo. Receberam ordem para encerrar o caso até 25 de Julho.

A Decisão, tomada a 4 de Junho pelo vice-procurador-geral da República, Mário Dias Gomes, de ordenar o encerramento do inquérito ao caso Freeport até 25 de Julho comprometeu, segundo os magistrados Vítor Magalhães e Paes Faria, o apuramento cabal de todos os indícios e dúvidas em torno do licenciamento do centro comercial de Alcochete.
A ordem do vice-PGR - que terá tido em conta o facto de o segredo de justiça sobre o inquérito terminar a 27 de Julho - impediu que chegasse, em tempo útil, a resposta às cartas rogatórias enviadas para paraísos fiscais, sobre informação de várias contas bancárias. Mas sobretudo, impossibilitou a inquirição de José Sócrates, que à data dos factos era ministro do Ambiente, e de Rui Gonçalves, seu ex-secretário de Estado.
Os magistrados do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), responsáveis por quatro anos nas mãos da Policia Judiciária de Setúbal sem avançar), fizeram mesmo questão de, no despacho de acusação proferido esta semana, elencar as 27 questões que pretendiam colocar ao primeiro-ministro sobre o caso. E que revelam que, para o Ministério Público (MP), Sócrates tinha muito para esclarecer.
Entre essas questões, os dois titulares do inquérito queriam que o PM, além de explicar o seu conhecimento sobre todo o processo de aprovação do Freeport, confirmasse, por exemplo, « a recepção, na sua residência de uma carta que lhe terá sido dirigida pelo arguido Manuel Pedro, tratando-o por `Caro amigo’ ». E explicasse «o teor das declarações prestadas por Hugo Monteiro» (seu primo), que afirmou ter ido a sua rasa, em 2004, pedir a autorização de Sócrates para criar um endereço eletrónico com o seu nome, de forma a conseguir um contrato com o Freeport.
A verdade é que a leitura do despacho final deste inquérito, com quase 300 páginas, permite perceber que, entre a convicção dos magistrados sobre os responsáveis de todo o caso e a sua decisão de acusar apenas dois arguidos e absolver outros cinco - nos quais nunca esteve incluído Sócrates, nem o seu antigo secretário de Estado -, vai uma grande distância.
Curiosamente, o nome do PM só é mesmo referido, como `alvo’ das dúvidas dos investigadores, neste despacho do MP Porque o relatório final da Judiciária, que Vítor Magalhães e Paes Faria salientam ser «inconclusivo», não faz qualquer referência à necessidade de questionar Sócrates ou Rui Gonçalves sobre o licenciamento do Freeport.

Sempre presente
O desfecho deste inquérito não permite, por isso, dizer que o caso foi concluído e que tudo se esclareceu - como pretendeu o PM, nas declarações feitas esta semana, depois de saber da decisão do DCIAP
Ao longo do despacho de acusação, multiplicam-se as contradições entre os depoimentos de suspeitos e testemunhas, não se explica a maior parte dos movimentos de milhões de euros em numerário e nem sequer se consegue esclarecer quem eram «Pinochio», o «Gordo» ou «Bernarda» -nomes de código várias vezes referidos na correspondência electrónica trocada entre arguidos, quando falavam de subornos para desimpedir os entraves criados ao licenciamento do outlet.
Em contrapartida, os magistrados registam, por exemplo, que, entre 8 e 24 de Janeiro de 2002 - dois meses antes da aprovação do projecto - realizaram-se diversas reuniões no Ministério do Ambiente, designadamente com a presença do ministro, secretário de Estado, presidente do Instituto da Conservação da Natureza (…) e José Dias Inocêncio (então presidente, eleito pelo PS, de Alcochete), além dos arguidos Charles Smith e Manuel Pedro» e de dois representantes da empresa inglesa. Descrevem o facto de o tio de Sócrates, Júlio Monteiro, ter declarado que recebera, em Dezembro de 2001, um contacto telefónico de Charles Smith, «referindo que um gabinete de advogados lhe estava a pedir `quatro milhões’ para aprovação do projecto Freeport e que, na sequência desse contacto telefonou ao seu sobrinho e ele, imediatamente, se disponibilizou a receber Smith no seu Ministério». E citam uma intercepção telefónica de uma conversa de José Manuel Marques, à época responsável do ICN (constituído arguido no inquérito e agora ilibado), ocorrida em Fevereiro de 2005, onde este afirma: «A investigar isto, vai é bater à porta do Sócrates, foi quem aprovou o Freeport, em tempo recorde em três meses e sei que o gajo pediu três milhões de contos e que lhe pagaram quinhentos mil». Aliás, o despacho do MP que nunca assumiu ao longo desta investigação que o primeiro-ministro era suspeito - faz até questão de incluir uma referência a «diversos» depoimentos (pelo menos onze estão identificados) que afirmam «ter tido conhecimento, por ouvir dizer, que diversos titulares de cargos públicos portugueses, entre os quais o então ministro do Ambiente, bem como diversos partidos políticos, haviam recebido dinheiro, no âmbito do processo de licenciamento do Freeport.

Extorsão e fraude fiscal
Manuel Pedro e Charles Smith, que representaram a Freeport no processo de apresentação e licenciamento do projecto, são, então, os únicos acusados neste inquérito. O MP imputa-lhes a prática do crime de extorsão, por terem exigido à empresa inglesa a entrega de elevadas quantias em dinheiro, sob pena de o Freeport não conseguir ver o seu projecto aprovado pelas autoridades nacionais. O MP entende ainda haver fortes indícios da prática de vários crimes de fraude fiscal por parte dez pessoas envolvidas no caso - entre eles, os ex-presidente e vice-presidente do ICN, Carlos Guerra e José Manuel Marques, o arquitecto Capinha Lopes, o ex-autarca de Alcochete, José Dias Inocêncio, e o tio de Sócrates, Júlio Monteiro. Ficaram sem resposta os pedidos de informação do DCIAP sobre contas em paraísos fiscais».




«Financiamento ilegal ficou por investigar
Felícia Cabrita
Sol, p. 5, sexta-Feira, 30 de Julho de 2010

MP não informou Entidade das Contas sobre indícios de financiamentos partidários ilegais

A Entidade das Contas, criada no seio do Tribunal Constitucional para fiscalizar as contas dos partidos, não foi informada dos indícios existentes no inquérito ao caso Freeport da eventual prática de crimes de financiamento ilegal de partidos políticos - apesar de a investigação do Ministério Público (MP) a este tipo de crime depender de apresentação de queixa por parte da Entidade das Contas.
De acordo com o despacho de acusação proferido esta semana pelo DCIAP, «não foi apresentada queixa pela entidade competente», pelo que os magistrados Vítor Magalhães e Paes Faria, titulares do inquérito, determinaram o arquivamento dos autos na parte relacionada com esses indícios - dos quais há referências ao longo de todo o inquérito, relacionadas quer com as eleições autárquicas de 2001 quer com as legislativas de 2005.
Em resposta às questões do SOL, o porta-voz daquele organismo disse «que os factos (relativos a 2001) são anteriores quer à existência da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos quer à criação do crime de financiamento partidário ilícito, pelo que a sua eventual verificação ficaria sempre fora do âmbito de competência» desta entidade.
Já quanto aos factos relacionados comas legislativas de 2005, a Entidade das Contas não prestou esclarecimentos -até porque não recebeu qualquer pedido de intervenção nessa matéria do DCIAP «As contas de 2005 dos partidos foram analisados e estão fechadas», lembrou, a este propósito, uma fonte desta entidade.

‘Mensagem pessoal’
Acontece que as referências aos indícios de financiamento ilegal atravessam todo o inquérito.
A campanha eleitoral para as legislativas de 2005 surge, por exemplo, no caso do email com propaganda do PS, enviado para Charles Smith - um dos dois acusados no processo Freeport.
Este email, com o título «mensagem pessoal» para Smith e proveniente do endereço electrónico josesocrates@ps.pt, foi apanhado nas buscas desencadeadas pela PJ, em 2005.
Sócrates disse várias vezes publicamente não conhecer o inglês nem qualquer dos promotores do outlet de Alcochete. Mas este era um dos casos sobre o qual os magistrados do DCIAP queriam esclarecimentos do primeiro-ministro. Daí terem preparado duas perguntas para lhe fazer. A primeira, se no âmbito das suas funções partidárias tinha utilizado o dito endereço electrónico; e a segunda, em caso afirmativo, por que dirigira uma mensagem de propaganda eleitoral a Charles Smith, sendo certo que o mesmo é de nacionalidade estrangeira e não está inscrito nos respectivos cadernos eleitorais».
Para os magistrados, afinal, a explicação do caso que foi prestada pelo secretário-geral adjunto do PS, Nuno Figueiredo, não o esclarecia totalmente.
Figueiredo foi aos autos dizer que a ideia de que a campanha eleitoral deveria passar pela comunicação via internet fora da sua autoria. Além disso, convicto de que a mensagem política passaria melhor se fosse personalizada, adiantou, terá criado «uma caixa de correio electrónico» com o nome de José Sócrates.
Mas o secretário-geral-adjunto do PS já não conseguiu explicar como apareceu o endereço de Smith: «Aquele destinatário terá sido um dos muitos por si recebidos, através de listas remetidas pelas estruturas do PS, ou então poderá ter sido o próprio Smith a inscrever-se voluntariamente», declarou, conforme se lê no despacho do MP.

“Não uso cartões”As principais suspeitas de financiamento ilegal do PS dizem, de qualquer modo, respeito às autárquicas de 2001, tendo a campanha para a Câmara de Alcochete - que nesse ano foi ganha pelo socialista José Dias Inocêncio - sido escrutinada ao pormenor pelos investigadores.
Um dos episódios relatados no despacho conta que, em véspera dessas eleições, Smith fez chegar à sede do Freeport, em Londres, a informação de que havia sido abordado pelos quatro partidos concorrentes a Alcochete. Nesse email, indicava os valores pedidos e recomendava que, a bem do licenciamento do outlet, fosse dada «uma contribuição superior ao PS, que estava no poder e podia fazer as aprovações».
No grupo de perguntas com que queriam confrontar o PM, os magistrados do DCIAP pretendiam saber se Sócrates tinha «conhecimento de algum pedido de dinheiro (3.000.000) pelo PS ao arguido Charles Smith por ocasião das eleições autárquicas e, em caso afirmativo, se tal pedido foi satisfeito».
Já Inocêncio, em cujas contas bancárias os investigadores descobriram levantamentos e depósitos em numerário no valor de cerca de 350 mil euros cuja origem não se conseguiu apurar, justificou: «Sendo empresário, costumava utilizar dinheiro vivo, nunca recorrendo a cartões de débito ou crédito».




«Investigação do Freeport perdeu o rasto a milhões de euros
José António Cerejo/N.S./J.A.C.
Público, pp. 1, 10-11, Sexta-Feira, 30 de Julho de 2010

Justiça - Despacho final lança dúvidas sobre várias transferências de dinheiro
Investigação do Freeport perdeu o rasto a milhões de euros

O despacho final do Ministério Público no inquérito ao licenciamento do Freeport não detectou a existência de crimes de corrupção e de tráfico de influências, mas deixa claro que não se sabe qual foi o destino de verbas num valor indeterminado que pelo menos ultrapassará os sete milhões de euros. Entretanto, o procurador-geral da República reagiu à notícia de ontem do PÚBLICO e ordenou um inquérito às “questões de índole processual ou deontológica” do caso.

Não houve acusação de corrupção, mas não se apurou o destino do dinheiro. Se houve crime, prescreveu.

Se dúvidas havia, dúvidas há. O despacho final do Ministério Público no inquérito ao licenciamento do Freeport manda arquivar os autos no que toca a eventuais crimes de corrupção e tráfico de influência, mas deixa claro que não foi encontrado o destino de avultadas verbas que passaram pelas mãos de alguns arguidos.
A única acusação proferida respeita à alegada tentativa de extorsão praticada por Manuel Pedro e Charles Smith, donos da consultora Smith & Pedro (S&P) junto do grupo Freeport, e tem por base sucessivos pedidos de dinheiro que aqueles fizeram para pagar subornos e que não terão sido satisfeitos. Outra coisa são os pagamentos feitos à S&P e a vários arguidos pelo grupo Freeport e outras empresas ligadas ao projecto, cujo destino final não foi esclarecido e que poderiam estar relacionados com pagamentos ilegais a que há abundantes referências em documentos e testemunhos constantes dos autos.
No primeiro caso destacam-se os pedidos transmitidos por Smith a responsáveis do Freeport, em Setembro de 2001, para, ao que afirmava, pagar ao PS 3.000.000 (sem referir a moeda de que falava) e 300.000 a cada um dos outros partidos concorrentes às autárquicas de 2001 em Alcochete (CDU, PSD e CDS). Três meses depois terá pedido também dois milhões de libras (perto de 2,4 milhões de euros) para conseguir a aprovação ambiental do projecto. Já antes, em Abril de 2000, terá pedido 22 mil contos (110 mil euros) para pagar ao lobby. E mais tarde, em Maio de 2002, foi a vez de pedir 80 mil libras para entregar a alguém referido como “Pinóquio”, através de um tal “Bernardo”. vindo logo no mês seguinte a solicitar mais 50 mil. De acordo com as perícias financeiras, não foi encontrada prova de que o essencial destes pedidos tenha sido satisfeito, razão pela qual a acusação de extorsão se limita à “forma tentada”.
Já no que respeita aos fluxos financeiros de que foram encontradas provas nas contas bancárias no período de 2000 a 2005 e em relação aos quais o despacho diz que se mantêm dúvidas” quanto ao seu destino, avultam os cerca de 1,8 milhões de euros que o grupo Freeport transferiu para as contas da S&P. O mesmo acontece com 945 mil euros que saíram desta empresa para as contas de Smith e com os 936 mil que seguiram para as de Manuel Pedro. Sem finalidade conhecida há também metade dos 1,5 milhões que o consórcio Somague/ Edifer (que fez a obra do Freeport) pagou à S&P e ainda 473 mil que foram levantados em numerário das contas da S&P. Dúvidas persistem igualmente quanto a 181 mil euros em numerário e a uma transferência de 247 mil euros (em libras inglesas) que entraram nas contas de Smith, e a 209 mil em numerário depositados em nome de Manuel Pedro, além de uma transferência de 120 mil euros de Smith para Pedro.
Por conhecer, entre outras verbas menores, ficou também a origem e o destino de parte dos sete milhões de euros que foram transferidos para o arquitecto Eduardo Capinha Lopes (que assumiu o controlo do projecto do Freeport no final de 2001), a partir de contas sedeadas em paraísos fiscais e com titulares não identificados. Pouco claras mostraram-se ainda, pelo menos em parte, os depósitos em numerário de 150 mil euros e de 111 mil euros feitos, respectivamente, em nome de Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza) e de José Inocêncio (ex-presidente socialista da Câmara de Alcochete), ambos com intervenção determinante em diferentes fases do licenciamento do Freeport.
Na impossibilidade de apurar o destino efectivo destes valores, não restava ao Ministério Público outra hipótese que não fosse a de arquivar o processo no tocante a eventuais práticas de corrupção e outros crimes económicos.
Mas, como as perícias urbanística e ambiental efectuadas no final de 2007 e em 2008 concluíram que o licenciamento do Freeport não envolve a prática de actos ilícitos, mesmo que se encontrassem eventuais corruptos, o crime já estaria prescrito desde Março de 2007. Isto porque os crimes para a prática de actos lícitos prescrevem ao fim de cinco anos.

Procuradoria vai ordenar inquérito
A Procuradoria-Geral da República (PGR) vai ordenar “a curto prazo” um inquérito para “o integral” esclarecimento de todas as “questões de índole processual ou deontológica” que o “processo possa suscitar”. 0 comunicado de Pinto Monteiro foi divulgado à hora dos telejornais, e o procurador-geral garantiu ter recebido “com surpresa” a notícia do PÚBLICO de que os procuradores do caso quiseram ouvir José Sócrates e que só o não fizeram por falta de tempo, com o fim do prazo de inquérito.
A PGR escreve, num comunicado de nove pontos, que “nunca o procurador-geral da República colocou qualquer limitação” aos procuradores do processo que “procederam à investigação, com completa autonomia, inquirindo as pessoas que julgaram necessárias”.
No despacho final do Ministério Público, os procuradores explicam que o vice-procurador-geral da República proferiu um despacho, a 4 de Junho, em que fixou o dia 25 de Julho como o fim do prazo para o encerramento do inquérito. 0 que impediu
a inquirição de Sócrates, alegaram os procuradores.
No comunicado, a procuradoria garantiu que foi a directora do DCIAP, Cândida Almeida, a propor a data de 25 de Julho para o fim a fase de inquérito, “pedido que foi deferido”. Só não diz que foi o vice-procurador. Garante é que nem Cândida Almeida, nem os magistrados titulares do processo pediram a “prorrogação do prazo ou invocaram a necessidade de qualquer diligência’.

Arquitecto contratado antes da viabilização
Eduardo Capinha Lopes aparece como peça-chave

O arquitecto Capinha Lopes - a quem o Ministério Público não atribuiu a prática de qualquer crime - surge no despacho final e no relatório da Polícia Judiciária como um elemento central da trama que rodeou a viabilização ambiental do Freeport, em Março de 2002.
Numerosos documentos e testemunhos reunidos nos autos dão corpo à ideia de que os consultores Manuel Pedro e Charles Smith convenceram os ingleses, logo após o segundo chumbo da avaliação ambiental, em 6 de Dezembro de 2001, de que a contratação de Capinha Lopes era fundamental para resolver o problema, dadas as suas alegadas ligações ao Partido Socialista e ao Ministério do Ambiente. O despacho dá como provado que foi José Inocêncio, então candidato do PS à presidência da Câmara de Alcochete (para a qual foi eleito em 16 de Dezembro), quem, a 11 de Dezembro, aconselhou Pedro e Smith a recomendar Capinha aos ingleses. E diz que o arquitecto tinha trabalhado gratuitamente na campanha do PS não só para as câmaras de Alcochete (à qual ofereceu o projecto de um centro cultural), mas também para as da Moita, Barreiro, Crândola e Santiago do Cacém.’
Numa carta dirigida a um dos administradores ingleses logo a 13 de Dezembro Smith garante que Capinha Lopes foi recomendado “pelas autoridades envolvidas na aprovação”, acrescentando que ele e o seu gabinete de arquitectos “estão muito próximos do ministro do Ambiente, assegurando uma aprovação adequada no interesse de todas as partes envolvidas”, sendo também certo que “não são arquitectos baratos”.
Nessa altura a avaliação ambiental acabara de ser reprovada, apesar de todos os membros da comissão responsável, à excepção do presidente do ICN, Carlos Guerra, entenderem que ela devia ser aprovada com condicionantes. Até então os arquitectos encarregues do projecto pertenciam à empresa Promontório, tendo os promotores ingleses sido convencidos, através de várias cartas e em sucessivas reuniões, de que a sua substituição por Capinha Lopes era uma condição da aprovação da nova avaliação ambiental, iniciada a 18 de Janeiro e que não resolveu muitas das razões do chumbo anterior, limitando-se a satisfazer algumas das condicionantes apontadas no parecer desfavorável anterior.
Apesar disso foi aprovada menos de dois meses depois, a 14 de Março, no termo de um processo cuja celeridade e outras circunstâncias, embora “não usuais”, os peritos contratados pelo Ministério Público consideraram não conter irregularidades ou ilegalidades.
De acordo com a PJ, citando o testemunho de Capinha Lopes, logo após a sua posse, mas em data indeterminada, José Inocêncio e o novo arquitecto do projecto reuniram-se, a sós, com o ministro do Ambiente, José Sócrates.
Segundo as perícias foram detectados nas contas de Capinha Lopes depósitos do grupo Freeport, entre 2002 e 2004, no total de 1,7 milhões de euros. Os peritos concluíram também que entraram nas contas do arquitecto e das suas empresas sete transferências no valor de 7 milhões de euros, provenientes de contas em paraísos fiscais com titulares desconhecidos e que tiveram como destino de diversas empresas e o Banco Insular.
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«Polémica: Em Abril, procuradores não quiseram ouvir primeiro-ministro
Sócrates imune à investigação

31 Julho 2010
Por:Eduardo Dâmaso/Tânia Laranjo/T.M.

Na reunião de Haia, com as autoridades inglesas, foi recusada a possibilidade de a investigação visar o primeiro-ministro. Equipas mistas rejeitadas.

A reunião em Haia, na sede da Eurojust, em Fevereiro de 2009, marcou o rumo da investigação do caso Freeport. Várias fontes contactadas pelo CM garantem que nesse encontro ficou claro que a investigação ao licenciamento do ‘outlet’ de Alcochete não atingiria José Sócrates. Cândida Almeida, directora do DCIAP, ter-se-á mesmo indignado quando os ingleses sugeriram equipas mistas e mostraram interesse em investigar o actual primeiro-ministro português. A hipótese foi liminarmente recusada e o DCIAP manteve o rumo da investigação: determinar se houve subornos, mas sem que alguma vez se tentasse apurar se foram feitos efectivos pagamentos a membros do Governo.
Ainda segundo o CM apurou, na mesma reunião – realizada por proposta dos ingleses – foi igualmente equacionada a hipótese de as contas bancárias de José Sócrates serem alvo de análise. Mais uma vez, tal possibilidade foi liminarmente recusada.
Além de Lopes da Mota – então director da Eurojust – estiveram na mesma reunião Vítor Magalhães e Pais Faria, os procuradores do processo, bem como Moreira da Silva e Pedro do Carmo, directores adjuntos da PJ. Maria Alice, coordenadora superior, a quem a investigação estava entregue, acompanhou igualmente o encontro.
Depois disso, foram muitas as diligências efectuadas. Mas em nenhuma por alguma vez foi admitida a inquirição ou interrogatório de José Sócrates.
O último plano de diligências que consta no processo – elaborado pela responsável da PJ de Setúbal – é datado de Abril deste ano e enumera uma série de audições e pedido de informação bancária que ainda deve ser efectuada. Maria Alice, responsável da PJ, não incluiu Sócrates no rol de pessoas a ouvir – mas teve o cuidado de sugerir que as mesmas 'poderiam ser complementadas com diligências determinadas pelos magistrados'. Vítor Magalhães e Pais Faria emitiram um despacho onde diziam que 'concordavam integralmente' com o que havia sido sugerido.
Cândida Almeida esteve ontem incontactável. O gabinete da PGR disse ao CM que Pinto Monteiro nunca deu qualquer instrução no processo Freeport, nem na reunião de Haia, 'tendo a directora e os procuradores actuado com total autonomia'.

Juiz podia ter prorrogado prazo do segredo de justiça
O prazo dado à investigação não tinha a ver com a realização de diligências mas sim com o levantamento do segredo de justiça, que terminava a 27 de Julho. No entanto, segundo o CM apurou, não foi pedida qualquer prorrogação do prazo ao juiz Carlos Alexandre, a quem o processo está distribuído. O magistrado poderia alargá-lo pelo menos por mais um mês – como, aliás, tem feito noutros processos do género.
A mesma posição foi anteontem defendida por Pinto Monteiro em comunicado. 'Nem a Directora do DCIAP, nem os magistrados titulares do processo requereram qualquer prorrogação de prazo ou invocaram a necessidade da realização de qualquer diligência', afirmou.

Despacho gera desentendimento
A inclusão, no despacho final do caso Freeport, das perguntas que deveriam ser feitas a José Sócrates causou um diferendo de entendimento no DCIAP. Cândida Almeida não concordou com a inclusão das 27 perguntas, da responsabilidade de Pais Faria e Vítor Magalhães, e terá feito saber aos procuradores qual era a sua opinião. Face à aparente impossibilidade de chegarem a acordo e porque também não queria avocar o processo – o que a obrigaria a que fosse ela a elaborar o despacho final –, Cândida Almeida optou por deixar claro que caso as mesmas se realizassem o despacho não seria alterado. 'Das respostas eventualmente obtidas não resultariam alterações de fundo aos juízos indiciários, próprios desta fase, que subjazem ao despacho de arquivamento e de acusação deduzidos', lê-se também no mesmo documento.
Cândida Almeida deixou, no entanto, no ar a possibilidade de o processo ser reaberto. 'Foi levada a cabo uma cuidada e profunda análise da prova produzida e de diligências encetadas ainda sem resposta, por dependerem da cooperação internacional em matéria penal. Uma vez recebidas e caso determinem a alteração da decisão ora tomada, reabrir-se-á os autos', diz.

Equipa especial do DCIAP
O processo Freeport foi avocado pelo DCIAP em 2008 ao Tribunal do Montijo. Manteve-se a delegação de competências na PJ de Setúbal mas, há quase um ano, um despacho do procurador-geral da República determinava a criação de uma equipa especial. A mesma equipa, constituída por vários elementos da PJ, entre eles a responsável pelo departamento de Setúbal, foi trabalhar para a sede do DCIAP, na Alexandre Herculano. Trabalharam directamente sob as ordens dos procuradores, e foi com alguma surpresa que foi recebida a determinação de que deveria ser a PJ a elaborar o relatório final.»


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades e entidades, objecto de notícias dos media, que comento, como José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, e quando arguidas, como foram Manuel Pedro e Charles Smith, Eduardo Capinha Lopes, Carlos Guerra, João Cabral, José Manuel Marques e José Dias Inocêncio, ou acusadas, como acabaram por ser Manuel Pedro e Charles Smith, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.